terça-feira, 29 de abril de 2008

Irmã

Ainda que eu me cercasse de palavras,
apascentadas como reses, no curral do meu medo;
ainda que eu me protegesse com palavras,
recolhidas como juncos, no pântano da minha dor,
ainda restaria a tua presença,

imaterial, consubstanciada nos meus pensamentos.
Minha irmâ...
Mergulhada na névoa da esquina imprecisa,
na tênue neblina pousada nos telhados.
Aqui, ali, adiante, materializada nas minhas lembranças.
Forma perfeita e perene, na memória,
em instantes fotográficos, retratos na parede,
na sólida parede da família esfacelada.
Minha irmã...
Tua sêde, tua insegurança, tua aliança
partida.
Minha irmã querida...
Tua sólida beleza, teu sorriso, teus afazeres,
tua presença, sempre tensa,
e marcante.
Teus problemas, teus desejos, teus dilemas,
teu amor, tua carência,
cercados, pelo eterno vigiar da maledicência.
Minha bela irmã...
Um brilho de fogo-fátuo, a casa desarrumada,
o canto de mil canários,
os apetites, vários...
Foi demais, a falta de rumo,
desarrumou-se, saiu do prumo.
Como na casa incendiada,
nada ficou de nada:
nem mobília, nem baixelas,
nem as obras completas
do poeta inglês.
Só a dor ficou.
Ainda que eu garimpasse as palavras no dicionário,
e as comparasse, classificasse, e ordenasse,
ainda assim, não saberia o que dizer
diante do fato incontestável da tua morte;
ainda assim, pouco eu iria entender
dos armários abertos,
das gavetas expostas,
dos azulejos manchados,
do sangue espalhado,
do ato pensado, ensaiado, testado,
repetido, obssessivo,
diante da sufocante percepção
de uma vida sem saída, sem direção,
que não valia a pena ser vivida,
(na tua concepção).
Minha irmã, que opressão,
que dia de horror,
que desamor,
que agressão,
àqueles que tanto te amaram,
e, desorientados, ficaram,
perplexos de dor.

3 comentários:

Anônimo disse...

§

Há sempre o dia em que a linha do poema se mostra insuficiente... e os versos todos voltam-se como facas contra o nosso peito.

Não são mais as derrotas acumuladas, os passos desordenados, a vida sem sentido que recusamos viver.

É um excesso.
Um excesso de mim.
E já não é por medo ou por coragem.
É preciso, sobretudo, não sentir medo ou coragem.
Um imenso nada que me toma todos os sentidos.

Imaginei seu poema na voz de minha irmã e lembrei do meu pai ao pé da minha cama no dia em que tomei aqueles remédios. E percebi que estou voltando a fazer as mesmas coisas... desfazendo...

E eu sei que eles cuidam de mim. Cuidam bem, eu acho. Sei que ninguém tem culpa, e eu não queria agredi-los... eu não sei de onde nasce tanto vazio, tanto breu.

Peço desculpas por, antes de me compadecer de sua dor, tornar mais viva a minha. Não sei se tenho esse direito. Mas agradeço, por me fazer lembrar os caminhos tortos que venho trilhando...

§

Anônimo disse...

Marcela: Este nada que toma conta e que vai num crescendo leva às atitudes extemas. Os que verdadeiramente nos amam, estão sempre atentos ás nossas tristezas e descaminhos. DEIXE-SE AMAR, MARCELA! Não se puna por nada, se aceite, do jeito que você é. Todos nós somos uma criação do AMOR MAIOR! ENTRE em contato com as maravilhas do Universo!

marcela primo disse...

§

Deixarei...

Um grande beijo!

§