sexta-feira, 30 de maio de 2008

Raladura, trambolhão

Raladura, trambolhão,
passa, passa, gavião,
(mas nem todo mundo é bom).
Xô, galinha, sai, pintinho,
o menino está tristinho,
foi tombo, foi encontrão,
foi gente desabusada,
foi desamor, solidão,
foi fuga, foi desespero,
e foi falta de dinheiro,
e foi pé de sabugueiro,
raladura, trambolhão.
Cade os matos da infancia?
Cade gato, passarinho?
Cresceu depressa, cresceu...
Encontrou a vida e a morte,
teve e não teve sorte.
Xô galinha, sai, pintinho.
E caiu no meu quintal.
Que queda monumental!
Um circo de cavalinhos,
carrossel, montanha russa.
Arrasta a asa, pintinho,
se conserta, se endireita,
disso é que a vida é feita:
raladura, trambolhão...

Interjeições

Um ah! quando te vejo.
Um oh! quando te beijo.
Um hein! quando me chamas.
Um ai! quando me amas.
É totamente impossível
conseguir dizer adeus...
PORTANTO...
Seja puro para mim,
seja calmo, seja assim,
como um solo de guitarra
rara, seja apenas
um rapaz latino americano.
Deixe de lado
esse seu viver insano,
e o jeito de cigano...

Avó

A dona Maria do Carmo
e seus ares comandantes
marcaram meus passos infantes.
Em nada era ïnha¨...
Grande senhora feudal,
sem feudo ou cabedal.
Mas senhora, ora, ora...
Tinha sempre o mesmo visual,
tinha estilo, caráter e provérbios,
a grande senhora feudal.
Firmeza nas passadas,
carinhos furtivos,
cuidados e mimos,
inesperados, inexprimíveis,
imprevisíveis.
Tirana doméstica, ao pé do fogão.
Sonhos, de verdade, saídos das mãos,
(na hora do lanche).
Sonhos fresquinhos, feitos na hora,
sem demora,
para nosso deleite e apetite.
Para o bolo xadrez, uma reguinha,
pequenininha, milimétrica,
instrumento da busca à perfeição.
- Cadê minha regua?
nunca uma trégua
ao próprio querer,
(se é que o tinha)...
Autoritária, como podia ser
uma pessoa ignorante,
que mal sabia ler ou escrever,
ter tal poder?
Arbitrária, amava estes
mais que aqueles netos
(pena que não os netos certos).
Amava os problemáticos, descontentes.
(Talvez os adivinhasse mais carentes)...
Alguns diziam: - Como sofre, esta criatura.
Não sabiam de sua têmpera: Dura.
Sua alva figura...
Os olhos indecisos,
entre o verde ou amarelo,
o cabelo, farto, belo.
Xerifando nossa vida,
regulando asmas, namoros, e saídas.
Ah! Dona Maria do Carmo,
enviuvou e esqueceu da vida.
Xaropadas para os rins,
cataplasmas de linhaça,
banho frio, banho quente,
sinapismos para os brõnquios,
medicina, só caseira.
Avó recatada, filha ansiosa,
neta descasada, bisneta nervosa.
Mulher de antigamente:
monumento à decência,
língua afiada, chás para tudo,
bolsinha de dinheiro miúdo,
missa aos domingos,
cartomantes para as dúvidas,
aversão às dívidas,
gavetas impecáveis,
imperatrizes domésticas,
com medo de barata.
Choravam sozinhas, discretamente,
a lembrar dos maridos ausentes.
A Dona Maria do Carmo
jaz na minha saudade,
guardada no meu coração,
(às vezes sem direção)...

Cumplicidade

Minha pele tem juízo,
uma certa qualidade
viva e verdadeira,
curto circuito
de eletricidade.
Minhas palavras, não.
Passional,penso em você,
que se defende,
covardemente,
de uma paixão.
Depreciamos
o que tememos,
ou invejamos.
Crianças cegas
todos nós somos,
querendo afetos,
querendo afagos,
(mesmo que pagos).
É na amizade
que se esconde
a salvação.
Cumplicidade
faz bem à alma,
conduz à calma,
às vezes, salva...

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Amor ao Ofício


O ato de escrever
pode ser ofício,
precipício,
ou confissão.
Não rejeito nada,
(como a rosa não rejeita,
e, com pétalas brancas,
amarelas, ou vermelhas,
se ajeita).
Não rejeito as escolhas,
e nem também,
aquilo que as escolham rejeitaram,
e que, também,
já tinha sido
digno de cogitação.
Tudo o que não fiz, ou fui,
permanece intacto, intenso,
submerso,no subconsciente,
e pode, de repente,
aparecer no papel, no pincel, no céu
da minha criação.
Posso ter sido isto, e não aquilo,
posso escolher: ser ou não ser,
e esta não é a questâo.
Na verdade, posso ser tudo.
(Apenas escolho o que sou agora,
e minha sombra, rejeitada,
lanço, como resposta,
na palavra exposta.)
Desta forma, nada deixo de fora.
Preservo a amplitude,
a totalidade do meu raio de ação.
Quero ser luz, mas amo a escuridão
subjacente na personalidade.
Amo a escuridão,
o meu impulso
em direção à criação:
ofício, precipício, confissão...

Conhecer os Anjos


Em que se resume a vida espiritual?
Não se aprisiona em templos de pedra e cal
que o tempo, a chuva e o vento, fazem desabar.
Não se define na linguagem sacerdotal
cujos dogmas só fazem complicar.
Não se codifica, não se submete,
não se modifica, não se subverte.
Ao revés: permanece, enobrece.
Como vos descreverei a luminosidade
o conforto, o bálsamo, a suavidade
de conhecer a luz divina?
A sabedoria que prescinde do tempo,
e tudo preside no Universo?
A energia irradiante,
de uma forma que desconheceis,
e nem em vossos sonhos mais delirantes
sabereis?
Deixai-vos levar por vossas mentes e corações
livres de todo o mal, da maledicência,
pensada, falada, comunicada.
Deixai-vos levar pelo inescedível prazer do bem
do sempre servir, do evoluir,
do transceder o vosso círculo material.
Acreditai. E, se impossível for, imaginai,
ao menos imaginai,com FÉ e AMOR,
a grandeza da vida espiritual
em seu eterno labor,
e conhecereis os ANJOS,
em todo o seu esplendor...

sábado, 17 de maio de 2008

Sol posto

Gasta em mim o teu desejo
e depois recolhe o rosto.
Dorme, meu sol posto.
Esquece o frio o desgosto.
Bem eu te vi, passarinho,
bem-te-vi, te mereci.
Quem não sofreu? Eu sofri.
Mas, agora, já passou,
outro dia clareou.
Dorme, esquece tudo, no sono,
viajando no infinito.
Verifica a luz da treva,
E me volta mais bonito.

Amor ao vencedor

Todos amam o vencedor.
Não vencer, que horror!
Admiramos os ídolos da mídia
por ela elaborados, fabricados.
O momento da vitória nos redime
da frustação trivial, cotidiana,
e fica lá, mais adiante
suspenso e radiante,
como um alvo que alcançamos.
Por isso, só por isso, amamos o vencedor
e repugnamos, com pavor, o perdedor.
Será uma herança dos romanos?
O sacrifício do gladiador?
tudo o que não sobe ao pódio
nos percebe, solicita e pede
a caridade que negamos.
Tudo o que não tem medalhas, atrapalha,
é triste, feio, sem valor.
O vencedor, idolatramos.
O perdedor, execramos.
Será mesmo que o que não se aprende pelo amor
só se aprende pela dor?
Algum dia deixaremos de julgar pela aparência?
Algum dia, quando recobrarmos a inocência?

Aprendizado

Vou aproveitar o Carnaval
para transformar-me
em tudo o que, em mim, é mau.
Serei a assassina, a traficante, a terrorista.
Viverei uma irresponsável e irrefreável
liberdade.
Sem medos, sem culpas e sem freios,
aceitarei todas as possibilidades,
sem intermediários.
Eu, a moça reservada,
bem comportada, calada,
aproveitarei as férias
para praticar misérias.
Vou, ora se vou...
Consciente da minha mortalidade,
dela suficientemente convencida,
vou buscar esta saída,
com muita criatividade.
Vou abrir a Caixa de Pandora,
e jogar todos os horrores fora,
por meio da poesia,
que me trouxe a empatia,
que me trouxe a compreensão
dos erros cometidos no passado
que, passando, tanto dano já causou
e, causando, estranhamente me elevou
a um outro patamar,
para saltar,para mergulhar,
para sair em outro lugar,
onde nada é o que parece,
onde a aranha não tece,
simplesmente obedece
a outro comando.
E, passado, poesia e dano
formam a teia rendilhada
da manta quadriculada
com que cubro meus cabelos,
e dos ventos me protejo.
Por meio da poesia,
vejo agora o que eu não via
(quando tudo era perfeito,
e eu achava que sabia
de que átomos o amor é feito).
trouxe-me a poesia
a visão dos meus defeitos,
trouxe rosas amarelas,
manguezais, recordações,
do passado revisitado
no castelo assombrado.
E, se um dia, não houver mais poesia,
restará o Carnaval,
este imenso festival, onde tudo acaba igual...

Almas ...

Olhos, janelas da alma...
Almas nas janelas,
divagando, acenando,
diante da luz, e da escuridão.
Almas perenes, perdidas, danadas,
almas apaixonadas,
gemeas, (ou não).
Almas alertas, inquietas, insones,
desabrigadas, sofridas,
almas feridas,
feridas em vão.
Não se percebem,
não se melhoram,
não evoluem...
Almas sem teto,
almas sem chão,
almas desertas,
sem direção.
Vejo-as todas,
almas penadas,
carentes de amor
e de solução.

Tua boca fria

Fruta, truta, gruta, enguia,
tua boca fria,
gelada, parada,
ordinária, barata, sem valor,
tua boca sem amor.
Bôca felpuda, virulenta, lenta,
fel de cascavel,
deslavada, desalmada, desmedida,
tua bôca contaída, bandida,
mentirosa, perversa, corrompida,
tua boca lasciva.
Fica com ela, e bom proveito...
Tua boca, cruzes, credo,
é um esgoto,
é um pano sujo e roto,
é pura miséria, é adivinha,
é curandeira,
flecha certeira.
È sabedoria,
tua boca de fruta, truta, gruta, enguia,
tua boca fria.