Ainda que eu me cercasse de palavras,
apascentadas como reses, no curral do meu medo;
ainda que eu me protegesse com palavras,
recolhidas como juncos, no pântano da minha dor,
ainda restaria a tua presença,
imaterial, consubstanciada nos meus pensamentos.
Minha irmâ...
Mergulhada na névoa da esquina imprecisa,
na tênue neblina pousada nos telhados.
Aqui, ali, adiante, materializada nas minhas lembranças.
Forma perfeita e perene, na memória,
em instantes fotográficos, retratos na parede,
na sólida parede da família esfacelada.
Minha irmã...
Tua sêde, tua insegurança, tua aliança
partida.
Minha irmã querida...
Tua sólida beleza, teu sorriso, teus afazeres,
tua presença, sempre tensa,
e marcante.
Teus problemas, teus desejos, teus dilemas,
teu amor, tua carência,
cercados, pelo eterno vigiar da maledicência.
Minha bela irmã...
Um brilho de fogo-fátuo, a casa desarrumada,
o canto de mil canários,
os apetites, vários...
Foi demais, a falta de rumo,
desarrumou-se, saiu do prumo.
Como na casa incendiada,
nada ficou de nada:
nem mobília, nem baixelas,
nem as obras completas
do poeta inglês.
Só a dor ficou.
Ainda que eu garimpasse as palavras no dicionário,
e as comparasse, classificasse, e ordenasse,
ainda assim, não saberia o que dizer
diante do fato incontestável da tua morte;
ainda assim, pouco eu iria entender
dos armários abertos,
das gavetas expostas,
dos azulejos manchados,
do sangue espalhado,
do ato pensado, ensaiado, testado,
repetido, obssessivo,
diante da sufocante percepção
de uma vida sem saída, sem direção,
que não valia a pena ser vivida,
(na tua concepção).
Minha irmã, que opressão,
que dia de horror,
que desamor,
que agressão,
àqueles que tanto te amaram,
e, desorientados, ficaram,
perplexos de dor.