domingo, 22 de junho de 2008

Urbanidades

Na grande cidade
não medra a ternura.
Na cidade grande
só medra o concreto
das gentes, estrutura.
Lá não mais existem
pomares, quintais.
Perdidos no tempo
e enclausurados
atrás dos portais,
os homens, estranhos
textura de pedra,
da cor dos vitrais.
E são coloridos,
e bem embalados,
com muitos requintes,
play-grounds, piscinas,
em seus edifícios,
e, no entanto, banais.
Carentes de agreste,
de pouca comida,
de um certo mutismo,
das coisas do mato,
fundamentais...
São seres alheios
à rede, à calma,
não sabem da vida
o gosto, o sabor,
e montam e galopam
estranhos corcéis,
corcéis a motor.
Viajam, se agitam,
e morrem de câncer,
infartam mais cêdo,
e fumam e bebem,
só um ou dois filhos,
que muitos, jamais.
Não há mais espaço,
em seus corações,
tão cheios de pressa...
Cidade de pedra,
a boca do inferno,
que a todos mastiga
sem nem devolver
bagaço, restante,
de ti quero paz.

Sem esconderijos

É um certo modo de fazer
que nos destaca.
É um certo modo de dizer
que nos conforta.
É um certo modo de ser
que abre portas.
Cheia de explicação e de razão,
cedo à intuição, e à emoção.
(E não me arrependo).
Finalmente, compreendo.
Refém de mim mesma
tento de me ver "de fora",
(somente o aqui e ao agora).
Cada um vive como quer.
Cada um vive, se quizer.
Cara a cara com a violência
tento ter a decência
de não me esconder.
Minha escolha é viver.

Vinho preferido

Foi no rastro da minha sombra
que você me descobriu.
Foi no escuro da minha treva
que você me seguiu.
Você, inspiração da minha trova,
criação da minha carência.
Você, que experimentei e saboreei,
provei e aprovei,
no reino dos meus sentidos,
desfalecidos...
Você, meu melhor banquete,
meu vinho preferido,
namorado mais querido...

Lição de Deus


A mesa posta na sala,
cheiro forte de café,
o movimento do dia,
longos passeios a pé´
a aragem, ventania,
tudo é certo como é:
a chuva que desce forte,
o sol que queima, a poeira,
o campo, o verde, a boiada,
o espírito da terra,
seu soturno interior.
Tudo isto não tem preço,
tudo isto tem valor.
O homem senta na pedra,
cansado dia de luta.
Desde o tempo da caverna,
eterna e mesma labuta.
Isto tem dignidade,
é como um canto de fé,
o seu trabalho, coragem,
é mais que sobrevivência,
é lição de Deus, paciência,
legado do Seu amor.

sábado, 14 de junho de 2008

Muda, mundo

Muda, mundo.
Pressente o novo milenio.
Produz uma nova raça
consciente da propria imortalidade,
mais expressiva, solidária, inteligente,
dona de si mesma, da sua intimidade.
Fabrica novas possibilidades
de entradas e saídas
das dimensões conhecidas.
Sob a proteção do fluxo dos mares,
enche de novos seres todos os lugares.
Já que nada fica de nada,
possamos, por um breve momento,
(o momento da duração de uma vida),
conhecer e entender o novo,
recriado em cada ovo.
Muda, mundo, e mudando,
deixa-nos mudos.
Afasta as trivialidades
enervantes, miudinhas,
e cala os telefones,
para ouvirmos, com as estrelas,
o silencio dos monges.
Atua de tal maneira
que as espécies, recriadas,
sejam melhores, e dotadas
de outros e novos sentidos,
aflorados do inconsciente.
Atualmente,
somos mamiferos inteligentes
de sangue quente,
(como os golfinhos).
Somos pequenininhos...
Muda, mundo, e mudando,
deixa-nos mudos.
(O que nos fará crescer internamente).

Eu quero

Quando é que você vai tomar coragem
e me falar um monte de bobagens?
Quando é que você vai perder o mêdo
e vai me chamar para ver o sol nascer mais cêdo?
Quando é que você vai sair da "sua'"
e vai me chamar para ver a lua?
A rua? Sua alma nua?
Eu estou impaciente
com esse seu tempo lento
sua paranóia perante novos amores,
odores, tremores...
Eu quero depressa, de noite, de novo,
eu quero correndo, sabendo
de tudo.Eu quero lhe deixar mudo...
Meu doce amor, meu nenen, meu bem...
Meu indeciso querer,
meu narciso, pronto para colhêr.
Eu quero apenas lhe dar prazer.
(Mesmo sem lhe merecer)...

O nome daquele homem


Como é mesmo o nome daquele homem
que bateu na janela, à meia-noite,
me dizendo que queria entrar?
Ele tinha uma estranha coroa,
e um sorriso tão doce
que me deu vontada de chorar...
Como é mesmo o nome daquele homem
que nada me pediu, e sorriu,
e espalhou rosas e espinhos
quando começou a me falar
que me amava e esperava
que eu fosse lhe encontrar
toda noite, no jardim
debaixo do jasmineiro
porque lá ele ia estar
me esperando, e trazendo
um novo jeito de amar?
Como é mesmo o nome daquele homem
que disse para eu me preparar,
porque um dia ele ia voltar
e , dessa vez, me levar
para longe, outro lugar,
onde eu ia gostar de ficar?
Como é mesmo o nome daquele homem,
e onde é que ele foi achar
tanata serenidade
no seu modo de me olhar
e onde é que ele foi buscar
tamanha bondade
na forma de me falar?
Como é mesmo o nome daquele homem
que deixou tanta saudade
depois que foi viajar?...

terça-feira, 3 de junho de 2008

Amor imperfeito

Amor é o presente, por inteiro,
quando se doa ao amado,
o corpo, a alma, o dinheiro.
Amor começa no susto,
na paixão tão instantânea,
que vai perdendo, no tempo,
a magia que antes havia.
Amor é a falta de juízo
que empurra opostos na cama,
e não sustenta, como devia,
a imagem de quem se ama:
aquele ser adorado,
e, depois, tão desprezado.
Amor é um sofrimento
profundo, doído, horroroso,
que transforma em um fantasma
aquele ser carinhoso.
Amar é um sofrer calado
é chorar até cansar,
é sair de porta afora,
às vezes, querendo ficar,
sem saber pra onde ir,
sem saber onde chegar,
sem saber o seu lugar.
É a soma dos problemas,
é a divisão de bens,
é aquela calmaria,
que transforma o ser amado
em uma doce criança,
mas é, também, a baixaria
que assusta a vizinhança.
Assim é o amor humano:
egoísta, imperfeito,
possessivo, ciumento,
mentiroso, doloroso.
Amor que arrebenta o peito,
vai e volta muitas vezes,
e ilude nossa vida,
por muitos e muitos meses...

O fio da meada


A meada fica lá, na gaveta, enrolada.
Não se sabe onde começa, onde termina,
não se sabe de nada.
Tem começo, e tem fim,
bem escondidos.
Eu também me sinto assim:
uma meada enrolada.
Para chegar onde estou,
onde tudo começou?
Qual a mão que me enrolou?
Que trabalho, puxar o fio!
Ver, em perspectiva, o fio reto, completo,
o fio da nossa vida.
Um dia, depois do outro,
como tudo aconteceu,
quem viveu e quem morreu,
como chegamos onde estamos.
Necessitamos de estímulo para agir,
ou de sofrimento para progredir?
Vivenciamos os sentimentos,
sem culpas ou ressentimentos?
Abrimos portas a novas percepções,
sem traumas ou confusões?
Deixamos fluir noites e dias,
demos adeus às vãs filosofias,
conquistamos a sabedoria?
Finalmente, com serenidade,
alcançamos a maturidade?
Para responder sim, ou não,
temos que mexer na meada,
que fica quieta, guardada,
nossa meada enrolada.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

O meu amigo budista

-"Só se perde o que se tem".
è a frase preferida
do meu amigo budista
(que eu não quero perder).
Zero com zero dá zero,
palavras do matemático.
Mas o grande catedrático
não me explica os números negativos,
(de uma forma que eu entenda).
É nada ter, e ainda dever?
Eu não entendo nada de contabilidade,
falta-me habilidade.
Devo um bocado, e vivo trabalhando,
trabalho por necessidade.
Por minha vontade,
viveria descansando,
de preferencia, na praia,
somente me bronzeando,
caminhando, filosofando...
Somos um povo com historia
que ninguem guarda na memória.
Somos por demais surrealistas.
De bom, só fabricamos artistas?
Fala, Cabala!
Vou perguntar ao meu amigo budista
se Buda, como Nostradamus, previa
ou se só filosofava.
Que será que Buda escondia
em sua sabedoria?
Qual a sua profecia?

Tentação

Satanás bate na porta.
Insolente, viro as costas.
-Vou lhe vencer, eu lhe grito.
- "Você vai ver, ele diz,
o que é o paraíso.
Eu tenho aqui um presente
que vai lhe deixar contente".
E Satanás recomeça,
me tentando como nunca:
- "Vou lhe mostrar o retrato
de um homem bem bonito,
ele ficou todo aflito,
ele gostou de você".
E eu fico curiosa.
Mas que coisa horrorosa
é a tentação, meu irmão...
Eu vou do quarto pra sala,
espiando minha cara
dentro do espelho redondo,
a cabeça , como um gongo,
ressoando, azoada.
Satanás me olha e ri,
e pergunta, satisfeito:
-"Você vai andar direito,
não vai morder a maçã?"
Um suspiro corta o peito.
Ah! Maldição...
E me mostra seu retrato.
Satanás sorri, gaiato,
um sorriso debochado,
com seus chifres espetados,
abanando o imenso rabo.
-Satanás, saia daqui,
deixe de seu frenesi.
Pecados na minha mente
podem me deixar doente...
Mas Satanás fica sério,
todo cheio de mistério,
e, calmamente, pergunta:
-"Gostou do que escolhi?
É todo seu, se quizer.
Você ainda é mulher,
e eu sei que você gosta...
O retrato é só amostra"...
E manda que eu repare
no seu jeito abusado,
no olhar de sedução
que ilumina seu rosto.
Ah! que degosto!...
Satanás desaparece,
enxofre prá todo lado .
Fica um gosto amagurado
de amor contrariado.
Acendo dentro de mim
a luz vermelha que pisca;
"PROIBIDO ULTRAPASSAR"
Eu apago esta faísca
(não quero me machucar).
Tem coisas que matam mais
do que um tiro na testa.
Renuncio à nossa festa,
quem sabe, um dia, talvez?

Mover montanhas

Por mais que tentemos,
ainda não moveremos
montanhas.
É muito índio, Portugal e África
embaralhando os gens que temos.
Faltou-nos a árabe Espanha,
dos mouros venezianos,
com a sua disposição sarracena
de cortar o mal pelo pescoço...
Faltou-nos a fleuma britânica,
o perfeccionismo alemão,
o intelecto frances,
a disciplina do Japão.
Faltou-nos tudo isso, e muito mais.
Temos por demais coração.
Faltou-nos as exigências,
o controle da situação.
País colossal, continental.
Temos barcos nos igarapés,
corridas citadinas de muitos pés,
caminhoneiros e pistoleiros
nas estradas esburacadas.
Já temos montanhas,
podemos vê-las.
Faltam-nos as manhas
para movê-las.

A imensidão do tempo

Balança, rede, balança,
o corpo que já foi ligeiro.
Os sinos das seis horas já sabiam
da disposição do corpo, companheiro
das caminhadas dos dezoito anos.
Os sinos das seis horas já tocaram, e ecoaram
ao fim da madrugrada sonolenta.
Aos dezoito anos, o tempo tem outro valor.
Agora, há o tempo interior
e dele não nos queixamos.
O tempo, avança sempre, descuidado,
quem sabe, de si mesmo já cansado,
devolvendo à terra outra semente.
O tempo, sempre o tempo, bem treinado,
supre a Natureza, em sua dança,
de outro amanhecer, outra criança,
e, assim, a vida vai seguindo em frente.
Tempo-maestro, que a tudo vai regendo.
Tempo-poder, que a tudo vai moendo.
Eu queria, do meu tempo, só um tempinho
em que eu pudesse ficar sem pensar,
nem sonhar, nem meditar, nem precisar
de compreensão ou de carinho
(só um tempinho)
em que eu pudesse, descuidada, acompanhar
(só um pouquinho)
a imensidão do tempo em seu caminho....

domingo, 1 de junho de 2008

Aquele anel colorido


No canto escuro da mente
não se fala o que se sente.
Sensação de desconforto
e de um sorriso morto
se eu penso em seu sumiço.
É duro se preparar
para o que não vai durar.
É igual fazer a cama
e não poder se deitar.
Somos passáveis. Todos passamos.
Passarei, passaremos, passarão.
Sejamos pássaros,
voemos juntos, a mão na mão.
Por favor, vai me buscar
aquele anel colorido
que Saturno traz no cinto.
O amor perfuma o gesto.
O amor abranda o traço.
O amor aperta o abraço.
O amor escolhe o jeito.
Há amor? Tudo é perfeito....

Transformação


Um dia, o brasil mudou.
Eu mudei, eu renasci,
eu vi coisas, e vivi,
outros mundos decobri.
(O mundo do meu outro lado,
até então, calado).
Aceitei encomendas de sonhos
e rumei para a Antártica:
outros polos conheci.
Outro Norte, sem mão forte.
Outro Sul, bem mais azul.
Classe meédia brasileira,
mais esperta, mais ligeira.
Saí do sobrado, saí...
Agora, sou mais conteúdo,
não conto dinheiro miúdo,
Não!
Em vez de soluços, descubro
um abecedário de soluções
nos recantos da mente
não mais ausente.
Custou e doeu,
mas valeu!...

Quereres

Eu queria mesmo
ser o ultraleve do seu sonho,
planador sem dor...
Eu queria mesmo
ser a máquina do seu saber,
(não precisar ver para crer)...
Eu queria mesmo
ser o mito eletronico do seu video,
magia que irradia...
Poderia até ser princesa, acrobata,
estrela, diva, musa paranóica,
roqueira, cintilância, glória...
Mas não fui nada disso, em nosa estória.
Confusa, como ser musa?
Difusa, semifusa, infusada namorada,
mas vital, íntima, assanhada...
Irmâ, guerreira, freira.
Pisando em ovos,
deixo o traça do meu bagaço
em tua boca estendida.
Varro, com alegria,
a ditadura, e sua cara dura
de sua alma ferida.
Morro de vontade de dar uma olhadinha
no mapa do seu futuro.
Ainda a cara no muro?

Outras retinas


Cercada pelo silêncio,
medito.
Por que penso tanto? (penso)
e penso a passos lentos.
Tanto que tento,
e não consigo
um alento.
E, no que medito, reflito:
há sons difusos, lé fora,
e aqui dentro, cortinas.
Há sol brilhante, lá fora,
e aqui dentro, rotinas...
Eu vou procurar lá fora
obrilho de outras retinas...

O professor de desejo

O meu professor de desejo
ensinou-me, sorrateiro,
tudo que é espécie de beijo:
assim, assado, ensopado,
beijo bom, beijo assanhado,
e beijo bem embeiçado,
beijo longo, arrepiado,
beijo cuspido e escarrado,
e o melhor beijo, o beijado
macio, desenfreado,
sem breque, sem segurança,
um grande beijo roubado:
começa na minha trança,
termina ¨Deus sabe aonde¨...
E o beijo mais sussurado,
beijo falado, gritado,
beijo úmido, molhado...
Ah, meu doce professor,
meu carinho, meu amor,...
Nós só ficamos no beijo
p"ro resto, faltou coragem.
(Para o resto da viagem).
Ele partiu, se sumiu,
me repartiu de saudade.
Formiguinhas pela bôca,
me deixou a alma ôca.
Fiquei triste, que maldade...

Segurança

Segurança
é uma palavra no dicionário
(e nem verbete ela é).
Por isto, a novidade.
A novidade tem cara, músculos e voz,
é fugaz, gentil, veloz,
pintou, desapareceu.
Novidade, é criatividade.
Segurança é necessidade.
Eu fico com a primeira,
que tudo o mais é besteira.
Como fruta perecível,
meu desejo é impossível:
a permanência na ausência,
categoria. (E cabeça fria)...

A irmã azul


-¨Eu não sou uma pessoa azul¨,
dizia minha irmã,
olhando vitrines,
distraidamente...
Para depois, sorrindo, observar:
sua blusa azul; sua saia azul,
nos espelhos onde se olhava,
detidamente...
Ela fugiu do marasmo de sua vida;
tentou fugir dos defeitos,
dos amores imperfeitos,
de uma vida, digamos, cinza...
Foi para a América do Norte.
E, tentando ser forte,
por lá ficou; por lá se arranjou.
Morava mal; comia mal.
Dormia mal? Não sei,
nunca saberei.
Mas as coisas melhoraram,
e ela sobreviveu.
Outros países, outros amores,
quem sabe, flores?
Conheceu.
E hoje, européia, total inglesa,
de cama e mesa,
desfaz-se em lágrimas
toda vez que retorna
por estas bandas
e, depois, volta, para uma vida morna,
nas terras do frio, aos calafrios...
Ô, minha irmã, é isso mesmo,
a vida é cinza, sujeita a chuvas e trovoadas,
alegre, às vezes, sujeita a trombadas,
nem branca, nem preta,
é nevoenta, é friorenta,
e isto afugenta
uma pessoa (não) azul
dessas ensolaradas terras do sul...
Mas eu estarei aqui, de braços abertos,
com sorrisos espertos,
te esperando, sempre pensando
na sua felicidade, na sua bondade, na sua generosidade,
intrigada, imaginando como foi o seu destino,
de pessoa não azul, que ama estas terras do sul...